A primeira semana da Conferência do Clima da ONU, em Varsóvia (Polônia), foi marcada pelo impacto do tufão nasFilipinas e por declarações de que a tragédia poderia trazer um despertar para negociações. A secretária executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, falou ao Estado sobre isso e sobre o que é possível esperar de Varsóvia e de Paris, daqui a dois anos, quando os negociadores terão de entregar um novo acordo climático global – que entre em vigor em 2020.
A reportagem é de Giovana Girardi e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-11-2013.
Eis a entrevista.
A sra. considera que as tragédias recentemente ocorridas nas Filipinas estão tendo algum impacto na mesa de negociações da COP de uma maneira mais concreta, que vá além dos discursos emocionados?
Me parece que a evidência que estamos tendo dos impactos das mudanças climáticas, muito recentemente nasFilipinas e no sul asiático, mas no ano passado nos Estados Unidos e no ano retrasado no Paquistão — a lista é enorme — estão colocando a cara humana a essa negociação. Não se trata de impactos que vão ocorrer no futuro ou a longas distâncias de onde estamos. Esses casos nos mostram que os impactos já estão ocorrendo agora, como mostrou o delegado das Filipinas (Yeb Sano), cuja família foi afetada diretamente. Traz uma sensação de imediatismo para as discussões e enfatiza o custo humano. Eu espero que isso signifique que consideraremos isso (nas negociações) com seriedade e mais celeridade. Porque aqui o que faz falta é a velocidade nas decisões. Mas vamos ver. Acabamos de começar os trabalhos e ainda não sabemos qual vai ser o impacto de essa COP ter começado com o tufão Hayan na nossa frente.
Em sua percepção, quais são as falhas estruturais no processo de negociações climáticas que ainda não permitiram se chegar a consensos aceitáveis para todos os países?
Esta convenção funciona sem nunca ter concordado sobre um regulamento de votação. E isso funciona assim porque as partes que ratificaram a convenção assim desejaram. Isso tem implicações negativas e positivas. Não poder votar significa que tem de se trabalhar mais para chegar a um consenso, o que torna as negociações muito mais lentas. Mas por outro lado, não poder votar significa positivamente que tem de se trabalhar até chegar a um consenso. E é algo que as partes nunca quiseram mudar.
Qual é concretamente o papel da América Latina dentro dessas negociações e as que se encaminham para a COP de Paris?
A América Latina tem vários papéis. Primeiro é o continente que tem mais energia renovável e, pelo menos em 2012, quando houve uma inversão, e o investimento em renováveis em todo o mundo baixou, na América Latina subiu 127%. Outro papel importante do continente é a grande quantidade de países que ainda tem cobertura florestal, principalmente o Brasil. Por isso, há países que querem cobertura florestal e incrementá-la. Além disso, grande parte da população do continente vive em áreas costeiras, portanto vulneráveis ao aumento do nível do mar. Dai um a urgência de mitigar e, obviamente, por investir em adaptação.
Para a senhora, quais devem ser os acordos mínimos que devem sair de Varsóvia e de Paris?
De Varsóvia, há três temas mais importantes para o caminho até Lima (onde ocorre a COP do ano que vem) e depois a Paris (em 2015, quando se espera que o novo acordo climático global seja fechado). O primeiro é como os países industrializados vão mobilizar os US$ 100 bilhões anuais com os quais eles estão comprometidos a entregar a partir de 2020. A obrigação é só a partir daquele ano, mas não se vai chegar a esse valor do dia para a noite, então tem de construir desde já. É um momento financeiro difícil para todos os países, mas tem de sair daqui alguma clareza sobre como isso será feito. Em segundo, já há um acordo de que vai ser criado um mecanismo de perdas e danos (para países que já estão sofrendo as consequências das mudanças climáticas), e Varsóvia tem de trazer mais clareza sobre isso. Em terceiro, o mais diretamente relacionado com o acordo, é que temos de sair de Lima, no ano que vem, com um rascunho já muito avançado do acordo, então temos de chegar lá já com uma proposta desse rascunho. Para isso, terá de sair de Varsóvia um consenso bastante claro sobre quais são os elementos, a estrutura, a lógica desse acordo, para que ao longo do próximo ano se possa começar a escrevê-lo e chegarmos a Lima com uma proposta de rascunho.
E de Paris, qual seria um acordo mínimo que podemos esperar?
É importante que esse acordo tenha dois papéis muito importantes. Primeiramente tem que recorrer a todos os esforços que já estão sendo dados em muitos países para fazer frente à mitigação e à adaptação. Reconhecer tudo o que está sendo feito dentro dos países e ao redor do mundo, quantificar e saber que essa soma total, porém, não vai ser suficiente para manter o aumento da temperatura em até 2 graus Celsius. O segundo papel é construir vínculos entre os países, entre o setor privado e o setor público, que nos levem fechar a brecha que teremos entre os esforços domésticos que estão sobre a mesa e a meta com os quais os países se comprometeram. O acordo de Paris tem de poder catalisar a colaboração através de fronteiras.
Como os delegados lidam com o fato mostrado por vários estudos de que essa meta dos dois graus parece cada vez menos realista?
O que está sendo feito aqui é uma resposta política a uma realidade científica cada vez mais concreta e mais alarmante. A convenção coordena os esforços de todos os governos, mas ainda há uma lacuna. Há uma dissonância de tempo entre a voz de alarme da ciência e a resposta política. Essa é a grande preocupação. Mas espero que a voz do IPCC (que neste ano, em seu quinto relatório, trouxe mais certeza que nunca de que a mudança climática é causada pela ação humana) e a experiência do tufão sejam os dois empurrões para esta negociação