Para a maioria das pessoas esta talvez seja só mais uma das muitas expressões que cercam há anos o debate entre os que defendem a preservação das florestas brasileiras e os que lutam pela valorização da produção agropecuária. Ela faria parte de uma família de siglas como APP (áreas de preservação permanente) e de termos como matas ciliares, reservas legais, apicuns e outros menos votados.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), no entanto, é um pouco mais do que isso. Ele é o item mais importante do Código Florestal que foi aprovado pelo Congresso em maio de 2012. Uma espécie de viga mestra sobre a qual deveria ser construída toda a política de preservação e recuperação de nossas matas. Mas que envolve também resoluções de pendências jurídicas, questões imobiliárias, interesses do setor agrícola e de outros negócios.
Além de fundamental, ele contaria com o apoio de ambientalistas e produtores rurais que, de um modo geral, concordam com a sua urgência e gostariam de vê-lo implantado. No entanto, dois anos se passaram e nada aconteceu. O que explicaria essa situação? Afinal, quem tem medo do CAR? Seria ótimo ter uma resposta simples para a questão. Mas ela não existe. Botar a culpa nos ruralistas é um caminho, mas não toda a verdade. Alguns ambientalistas também não ajudam muito. Na falta de opção sempre há a incompetência dos governos, um saco onde cabe quase tudo.
Podemos começar com a própria aprovação do Código Florestal em 2012, depois de anos de debates. Ao final, a frase que mais se ouvia e escrevia era: “este foi o texto possível”. Ou seja, ninguém ficou satisfeito. E são exatamente os insatisfeitos da época que agora tentam atrapalhar. Entre eles, setores mais reacionários do agronegócio. Os que afirmavam que o Código acabaria com a produção nacional.
Agora, eles defendem a tese de que o CAR deve ser feito por matrícula e não por imóvel rural. Trata-se de uma manobra para burlar a legislação. O Código Florestal concedeu benefícios aos pequenos proprietários, com áreas de até 4 módulos fiscais (de 20 a 440 hectares). Quem, por exemplo, desmatou parte da reserva legal até 2008 não precisaria recuperá-la. Se forem consideradas as matrículas, as grandes propriedades poderiam ser fatiadas e receber o mesmo tratamento dos pequenos. São 5,4 milhões de propriedades rurais e mais de 70 milhões de matrículas.
Seria como acabar com o latifúndio por decreto, fazer de conta que nunca existiram. Mas essa não é posição de todo o agronegócio. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que reúne os grandes produtores de soja, divulgou uma carta esta semana se dizendo contrária à proposta. A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), escreveu um artigo no jornal Folha de S.Paulo, seguindo a mesma linha.
Apesar disso, a lei não sai do papel. O Ministério da Agricultura, liderado pelo PMDB, chegou a encampar a proposta. Agora, parece estar sendo convencido do contrário. E esse é outro problema, a reforma ministerial promovida pela presidente Dilma tem feito com que as discussões voltem ao começo quando os novos titulares assumem. Foi assim na Agricultura e na Casa Civil.
Na verdade, o CAR nada mais é do que um registro eletrônico, um número que identifica o proprietário rural e a área da sua propriedade. Para organizar essas informações, o Ministério do Meio Ambiente, com ajuda de pesquisadores da Universidade de Lavras, em Minas Gerais, criou um sistema chamado Sicar (Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural). Ele funciona como uma espécie de Imposto de Renda.
O sistema trará informações sobre o imóvel, os seus limites e indicar onde ficam as reservas legais e as áreas de proteção permanente. Quem desmatou o que não devia terá 20 anos para resolver o problema. A recuperação pode ser feita na própria área ou numa propriedade vizinha, desde que no mesmo bioma. Pode-se pagar para que a floresta de outra pessoa permaneça de pé e compense os estragos. Empresas que negociam e administram essas compensações já estão sendo formadas no país, esperando exatamente a aprovação do CAR.
Alguns apostam que o decreto presidencial regulamentando o tema sairá antes da Copa do Mundo. Outros dizem que ficará para depois das eleições. Estima-se que, no mínimo, 27 milhões de hectares de área verde sejam recuperados. Uma medida fundamental para a preservação do clima, dos rios e da produção agrícola. Mas o CAR é também um instrumento moderno de gestão, que ajuda o país a crescer de forma transparente e sustentável. Talvez este seja o grande problema.
Por Agostinho Vieira