Grupo Carta de Belém denuncia a exclusão da participação da sociedade civil nas discussões sobre as políticas climáticas e o avanço do desmatamento no governo Bolsonaro
Desde que Jair Bolsonaro (PSL) assumiu a presidência do Brasil, há oito meses, um intenso processo de destruição das políticas socioambientais vem ocorrendo no país. Dentre as últimas propostas do governo federal, que interferem nas políticas de clima, estão alterações no Fundo Amazônia, como a destinação de recursos para indenizar ruralistas em Unidades de Conservação, e a sugestão do próprio presidente que os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que monitoram o desmatamento na Amazônia, passem previamente pela presidência antes de serem divulgados.
Uma das estratégias de desconstrução do compromisso do Brasil com as políticas internacionais de clima tem sido a exclusão da participação da sociedade civil nos debates, como ocorre com a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+). Desde setembro de 2018 não há convocações pelo Ministério do Meio Ambiente para reuniões ordinárias da comissão. Letícia Tura, conselheira da CONAREDD+ e integrante do Grupo Carta de Belém, questiona que não há como continuar a implementar as políticas internacionais de clima no âmbito doméstico se não há normalidade da governança ambiental nacional. A CONAREDD+ está paralisada.
A CONAREDD+ foi instituída em 2015 por um decreto do Governo Dilma e é o espaço de governança nacional responsável por coordenar, acompanhar e monitorar a implementação da Estratégia Nacional para REDD+/ENREDD+ do Brasil. A comissão não aprovava projetos, mas era um importante espaço de monitoramento do cumprimento do Marco de Varsóvia[1] e do respeito às salvaguardas de Cancun[2] do regime internacional de mudanças climáticas pelos projetos de REDD+, tanto no âmbito federal, quanto nos estados.
De acordo com Letícia, em 2018, o Ministério do Meio Ambiente/MMA, em conjunto com o PNUD, apresentou uma proposta de pagamento de resultados de REDD+ ao Fundo Verde do Clima. Porém, houve pouca discussão ao longo do ano sobre o pleito, com a promessa que no ano seguinte as consultas seriam realizadas.
“Um dos problemas que identificamos na proposta era que se anunciava, de um lado, a remuneração direta para agricultores por hectare preservado e, de outro lado, não tínhamos a garantia se seriam agricultores familiares ou também médios e grandes produtores beneficiados. A discussão ficou no meio do caminho e, em 2019, além do processo de destruição da política ambiental, dos marcos legais, dos mecanismos de proteção dos direitos territoriais, tanto no Executivo, quanto no Legislativo, e com o aumento do desmatamento, a CONAREDD+ não foi retomada e o projeto do MMA ao Fundo Verde foi aprovado. Os projetos do Brasil no Fundo Verde do Clima continuam em tramitação como se estivéssemos em um estado normal da governança ambiental no país, e nós não estamos”, alerta.
O Grupo Carta de Belém sempre foi crítico ao mecanismo de REDD, a partir da compreensão de que ele favorece a constituição do mercado internacional de carbono e a compensação ambiental entre países (offset). No entanto, desde 2016, o Grupo integra a CONAREDD+ entendendo que o decreto que instituiu a comissão previa que a política nacional de REDD+ estaria baseada em pagamento de resultados já alcançados e não geraria offset (compensações para outros países), respeitando o Marco de Varsóvia. “Nossa participação visava monitorar que a comissão seguiria à risca o compromisso que não se constituiria no Brasil, a partir da ENREDD+, o mercado internacional de carbono, que esta estivesse restrita a uma abordagem nacional, efetivamente baseada em políticas públicas voltadas aos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares”, relata Letícia.
Para o Grupo Carta de Belém, o enfoque de salvaguardas não pode ser aplicado do ponto de vista bancário, ou seja, para a garantia dos investidores, mas sim para a garantia de direitos das populações envolvidas nos projetos. Assim, o Grupo defendeu a constituição de um sistema robusto de salvaguardas, inclusive, prevendo-se Ouvidoria e missões territoriais para receber as eventuais denúncias observadas pelas populações nos locais.
Com efeito, o Grupo atuou para que o cumprimento das salvaguardas no país considerasse os marcos legais nacionais e internacionais voltados para a garantia dos direitos territoriais e o respeito aos modos de vida de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.
O Grupo é integrante da comissão como membro suplente da representante do Conselho Nacional de Populações Extrativistas, já que defende que as organizações dos povos devam ser as representantes diretas. Durante os quase três anos de funcionamento da comissão, os suplentes participaram dos debates, mas o direito ao voto correspondia apenas aos membros titulares.
Segundo Letícia, desde que a CONAREDD foi implantada, houve inúmeras discussões na comissão e nas câmaras técnicas, como a de salvaguardas. “Houve bastante confronto de ideias nos primeiros dois anos sobre o mercado de carbono e se deveríamos ampliar a abordagem da ENREDD+ para além do Marco de Varsóvia”.
Após diversas atividades de formação e debates acerca do tema, existe um consenso em parte da sociedade civil brasileira de que para a manutenção da floresta é preciso que a floresta fique fora do mercado de carbono. Além disso, o Grupo tem denunciado que o próprio Código Florestal tem gerado um mercado de carbono interno, através do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e das Cotas de Reservas Ambientais (CRA).
“Entendemos que o combate às mudanças climáticas e ao desmatamento está intimamente vinculado ao fomento à agroecologia, à soberania e segurança alimentar e à garantia dos direitos dos povos tradicionais”, afirma.
Com o cenário de desmonte das políticas socioambientais e o bloqueio da participação da sociedade civil nos debates, a garantia dos marcos legais sobre direitos dos povos territoriais, o acesso à biodiversidade, as políticas públicas de agroecologia, segurança alimentar e de combate ao desmatamento estão cada vez mais ameaçados.
“Por exemplo, a proposta de alteração do Fundo Amazônia está totalmente fora dos objetivos do Fundo e fora de qualquer acordo internacional ambiental e climático. Tanto que a Alemanha bloqueou os recursos. Existe em curso no Brasil um projeto para acabar com o Fundo Amazônia”, diz Letícia.
[1] Em 2013, a XIX Conferência das Partes da Convenção do Clima/COP 19, em Varsóvia (Polônia), estabeleceu a arquitetura internacional para REDD+ (Marco de Varsóvia para REDD+). Destaca-se aqui o pagamento por resultado de país/nacional, e não por projetos, e a não previsão de offsetting.
[2] Diretrizes gerais que devem ser observadas por todos os países que desejarem implementar REDD+.