Em um importante passo de fomento ao pagamento por serviços ambientais, novo Código Florestal permite que excedentes de Reserva Legal sejam comercializados em bolsa
A legislação brasileira exige a manutenção de área com cobertura de vegetação nativa em propriedades rurais (Reserva Legal), em percentuais que variam de 20% a 80% da propriedade, conforme o bioma e a região em que se localize o imóvel. De acordo com o IBGE, existem no País mais de cinco milhões de imóveis rurais (entre propriedades, posses e outras categorias) que necessitam cumprir com esta legislação. Estima-se, no entanto, que cerca de quatro milhões de propriedades não têm área de Reserva Legal suficiente.
Este déficit de Reserva Legal no País é estimado entre 30 e 60 milhões de hectares.
Aqueles que não têm Reserva Legal podem se adequar com o plantio ou regeneração de áreas dentro do próprio imóvel rural. Alternativamente, a legislação florestal possibilita que esta obrigação de Reserva Legal seja cumprida por meio das chamadas “Cotas de Reserva Ambiental” (CRAs): instrumentos criados pelo Código Florestal Brasileiro para possibilitar a compensação da obrigação de Reserva Legal em propriedades rurais.
As CRAs podem ser criadas em áreas de vegetação nativa ou em processo de recuperação (salvo se a regeneração ou recomposição da área forem improváveis ou inviáveis). De um modo geral, as CRAs serão criadas em áreas que excedam as obrigações de Reserva Legal e de Áreas de Proteção Permanente (APPs) de cada da imóvel. Um dos pré-requisitos para a criação de CRAs é que o imóvel rural esteja inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro digital georreferenciado e ligado a imagens de satélite, que possibilita a melhor localização e monitoramento do uso do solo em imóveis rurais.
As CRAs podem ser usadas para compensar a ausência de Reserva Legal de outro imóvel rural, desde que atendidas determinadas condições legais. Uma primeira condição refere-se à data da perda da cobertura florestal – só podem se beneficiarem do uso de CRAs os imóveis que foram desmatados até 22 de Julho de 2008. Há também o requerimento de que a compensação seja feita com CRAs de um mesmo bioma e no mesmo Estado, a menos que estejam em áreas consideradas prioritárias pela União ou pelos Estados.
O uso de CRAs é um modo ágil de adequação à lei, mas foi pouco usado até hoje. Um dos possíveis empecilhos à criação de CRAs é a falta de visibilidade de oferta, demanda e preços entre os potenciais vendedores e compradores destas cotas. O mercado de Cotas de Reserva Ambiental da BVRio objetiva fomentar o uso deste mecanismo e auxiliar ao cumprimento das obrigações de reserva legal no País.
Para facilitar o uso deste instrumento, a BVRio criou um mercado de contratos de desenvolvimento destas cotas para entrega em um momento futuro – o mercado de CRAFs. Os CRAFs – Contratos de Desenvolvimento e Venda de Cotas de Reserva Ambiental estabelecem obrigações entre aqueles que têm excedente de Reserva Legal (vendedores) e aqueles que queiram comprar CRAs para se adequar aos requerimentos do Código Florestal.
Por meio do CRAF o vendedor se compromete a criar as CRAs e entregá-las ao comprador mediante o pagamento, a ser realizado na entrega das CRAs, de preço previamente acordado entre as partes. Contratos de desenvolvimento e entrega futura também foram utilizados para fomentar e iniciar o mercado de créditos de carbono (Reduções Certificadas de Emissões – RCEs) no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, ou CDM) da Convenção do Clima.
Transações de compra e venda de RCEs foram iniciadas muito antes de todos os elementos do mecanismo estarem regulamentados, por meio de contratos de compra e venda de RCEs (Emission Reduction Purchase Agreements – ERPAs). Este mercado inicial acelerou o processo de regulamentação e a adesão de participantes em atividades relacionadas a reduções de emissões de gases efeito estufa. A BVRio espera que o uso de CRAFs tenha um impacto semelhante no processo de adequação aos requerimentos do Código Florestal.
Ofertas de venda e compra
Proprietários rurais com excedente de Reserva Legal podem ofertar na BVRio as CRAs que serão criadas em seus imóveis. A Plataforma BVTrade possibilita que o vendedor informe as características do imóvel e em que ponto está o processo de criação das CRAs. Por exemplo:
• Bioma e estado;
• Situação fundiária;
• Se a RL está em UC, RPPN ou área prioritária;
• Declaração de confrontantes, afirmando não haver disputas territoriais;
• Memorial descritivo da propriedade;
• Existência ou não de Cadastro Ambiental Rural (CAR); • Existência ou não de Reserva Legal averbada.
Esta lista de pontos reflete o tipo do imóvel e o estágio do processo de criação de CRAs e fornece elementos para que o comprador possa avaliar o tempo necessário para a emissão das CRAs, assim como o nível de risco inerente ao contrato. Quanto mais elementos já tiverem sido concluídos, menor o risco e o tempo entre a contratação e a entrega das CRAs.
Vendedores podem informar o valor esperado pelas cotas (R$/hectare) e a duração que querem dar às cotas vendidas (5, 10, 20, 30 anos ou perpétua). Ou podem deixar essas variáveis em aberto e esperar por ofertas de compra. Compradores fazem ofertas para os CRAFs na Plataforma BVTrade indicando o tamanho do lote desejado, a duração e o valor que estão dispostos a pagar. A plataforma não divulga as identidades do vendedor e do comprador até que negociações sejam concluídas.
Após concluir a operação, o Contrato de Desenvolvimento e Venda de Cotas de Reserva Ambiental (CRAF) entra em vigor. A partir deste momento, o vendedor se compromete a desenvolver as CRAs em seu imóvel e transferi-las ao Comprador imediatamente após sua emissão.
Liquidação
Quando da emissão das CRAs, a BVRio auxiliará as partes no processo de liquidação físico-financeira. A BVRio receberá o pagamento do comprador em uma conta fiduciária e só fará sua transferência para o vendedor após a transferência das CRAs para o controle do comprador. Neste momento, o contrato será considerado concluído. Após a transferência das CRAs, o vendedor continuará com a obrigação de manter essas áreas como Reserva Legal durante o prazo das CRAs estipulado no contrato.
Ao final do prazo das CRAs, o contrato pode ser renovado ou o vendedor tem o direito de reofertar suas CRAs para venda através da BVRio. A BVRio possibilita também que sejam transacionadas CRAs a partir da venda secundária de CRAFs. Compradores que tenham obtido direitos a CRAs para entrega futura, a partir de CRAFs negociados na BVRio, poderão ofertá-los na plataforma e firmar novos contratos. A BVRio manterá um registro de todos os contratos firmados para assegurar que as ofertas feitas na plataforma estão relacionados a contratos válidos.
O mercado secundário possibilita maior liquidez e flexibilidade para os participantes do mercado. Ao mesmo tempo, cria uma oportunidade para consultores, investidores e prestadores de serviço de adquirir CRAFs em fases iniciais, agregar valor ao longo do processo de criação das CRAs e realizar este valor através da revenda destes contratos em um momento futuro.