Três anos após o rompimento da barragem da mineradora Samarco que arrasou a cidade de Mariana, em novembro de 2015, o estado de Minas Gerais voltou a viver, na sexta-feira (25), uma nova tragédia envolvendo a mineração. Desta vez, uma barragem da Vale rompeu, inundando de lama grande parte do município de Brumadinho. Estima-se que 14 milhões de m³ de rejeitos foram despejados no Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do Rio São Francisco. Cerca de 292 pessoas estão desaparecidas e ao menos 60 mortes já foram confirmadas pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Os rejeitos atingiram a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco. O governo federal montou gabinete de crise para apurar as causas do rompimento e também para orientar os resgates. O conselho é composto por dez ministérios: Casa Civil, Defesa, Cidadania, Saúde, Minas e Energia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional, Direitos Humanos, GSI e AGU, mas não prevê a participação dos atingidos e atingidas.
“Sabemos que é um comitê interministerial, mas precisamos do IBAMA, da ANA, o INCRA, o Ministério da Agricultura, a Agência Nacional de Mineração, o Instituto Chico Mendes e a Funai participando pelo governo. O Ministério da Agricultura nem foi incluído no conselho interministerial. Esses órgãos que citei, sequer são citados no decreto” , afirma Joceli Andrioli, da coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) emitiu nota ainda no dia 25 criticando o licenciamento ambiental que pela segunda vez falhou na fiscalização no setor: “Em dezembro de 2018, a Vale obteve as licenças ambientais para ampliação da Mina do Córrego do Feijão de forma acelerada, desrespeitando os trâmites normais. O processo de obtenção das licenças ambientais foi realizado de maneira irresponsável, burlando os ritos tradicionais, negligenciando os impactos no abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e contrariando a vontade popular que reivindicava a negação da ampliação do empreendimento”.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou em nota neste domingo (27) que vai realizar um diagnóstico do crime socioambiental de Brumadinho, com vistas à apuração de responsabilidades criminal, civil e trabalhista. Para a instituição, a tragédia representa um dos mais graves eventos de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil. No rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o MPT investigou e apontou as irregularidades e as deficiências nas medidas de prevenção. As principais medidas não foram aceitas pelas empresas Samarco/Vale, na tentativa de acordo na via administrativa. Entre elas, verificar a estabilidade da mina, condições de higiene e segurança do trabalho e realização de estudos e projetos exigidos pelos órgãos fiscalizadores e pagamento de dano moral coletivo pelos prejuízos. Isso levou o MPT a propor Ação Civil Pública perante a Vara do Trabalho de Ouro Preto, em outubro de 2017, que ainda se encontra pendente de julgamento. Há audiência marcada para o dia 27 de fevereiro e pedidos de liminares, para acelerar o trâmite, não foram atendidos.
Em nota, o Movimento dos Atingidos por Barragens criticou a letargia do judiciário em relação aos 3 anos do rompimento da barragem em Mariana sob gerencia da Samarco, que junto a Vale são controladas pela internacional BHP Billiton: “O poder judiciário até hoje não responsabilizou nenhum dos diretores das empresas envolvidas pelo crime e não assegurou a reparação integral das famílias”. O MAB questiona ainda o desvio da finalidade da empresa privatizada em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, na exploração de um bem público natural. “É importante destacar que a companhia Vale S.A já foi uma empresa do povo brasileiro, mas nos anos 90 foi privatizada. O que vemos atualmente é uma empresa superpoderosa que atua para o lucro dos acionistas, mas não tem qualquer compromisso com a vida humana e o meio ambiente”, afirma em nota.
Confira a íntegra da nota emitida pelo MAB:
Mais uma vez a história se repete como tragédia. De um lado a Vale S.A, grande mineradora mundial, e do outro o povo brasileiro, buscando juntar corpos enterrados na lama de empresas criminosas.
Este 25 de janeiro será marcado pelo rompimento de três barragens de rejeito de minério da Mina Córrego do Feijão, que faz parte do Complexo Paraopeba. A barragem de responsabilidade da empresa Vale está localizada no município de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Estima-se que 14 milhões de m³ de rejeitos foram despejados no Rio Paraopeba, um dos principais afluentes do Rio São Francisco. As autoridades informam que cerca de 150 pessoas estão desaparecidas.
As evidências de mais um crime socioambiental de incalculáveis dimensões nos agridem novamente. O poder público não escutou as comunidades e atuou em favor do poder corporativo para flexibilizar as licenças de ampliação do complexo de barragens em dezembro de 2018.
Nós do MAB entendemos que se trata de um crime continuado pela Vale contra o povo brasileiro. Há três anos do crime da Samarco com o estouro da barragem de Fundão, em Mariana, nenhuma casa foi construída, não sabemos o número de pessoas atingidas, não temos estudo sobre os impactos na saúde, as mulheres não são reconhecidas como atingidas, entre outras tantas violações ambientais e de direitos dos atingidos. O poder judiciário até hoje não responsabilizou nenhum dos diretores das empresas envolvidas pelo crime e não assegurou a reparação integral das famílias. Muito pelo contrário, tem atuado na seletividade punitiva, criminalizando a manifestação das famílias, os movimentos populares e as organizações da sociedade civil.
É importante destacar que a companhia Vale S.A já foi uma empresa do povo brasileiro, mas nos anos 90 foi privatizada. O que vemos atualmente é uma empresa superpoderosa que atua para o lucro dos acionistas, mas não tem qualquer compromisso com a vida humana e o meio ambiente.
Mais uma vez essas grandes empresas e a conivência dos governos demonstram as suas prioridades pelas taxas de lucro em detrimento da qualidade de vida da população. Não há desenvolvimento regional, há destruição de vidas e contaminação dos rios e da natureza.
O MAB convoca o povo brasileiro, pelo espírito de solidariedade e justiça social que nos move, a apoiar as famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Já estamos na região e estamos movendo muitos atingidos de todo o Brasil nessa tarefa de solidariedade e apoio às vítimas, ao lado de tantos outros atingidos e atingidas da bacia do Rio Doce e litoral capixaba que já se voluntariaram ao dever de companheirismo.
Seguimos lutando por justiça em Mariana, em Brumadinho, na bacia do Rio Doce, no litoral capixaba e em defesa do São Francisco.
Exigimos justiça em mais este crime, que a morte de pessoas, de animais, dos rios e do meio ambiente não fiquem mais uma vez impunes.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)