ecossistemas terrestres e costeiros e o uso do solo em nosso país, o Código Florestal, sofreu uma série de alterações polêmicas. Muitas delas foram consideradas retrocessos por diversas entidades, mas alguns novos instrumentos são tidos como positivos.
Dois deles, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Plano de Recuperação Ambiental (PRA), estão em vias de efetivação, sendo que o primeiro, servindo de base para o segundo, ainda necessita da assinatura de uma Instrução Normativa pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para ser efetivado.
Sem data definida para a assinatura da ministra, a demora no início das inscrições online no CAR – até o momento, o CAR funciona em grande parte do país de forma offline – começa a levantar dúvidas de quando, de fato, é que as cerca de cinco milhões de propriedades rurais brasileiras poderão se regularizar e, finalmente, recuperar o que é devido.
Em meio a este cenário extremamente complexo, conversamos com André Lima, assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), buscando compreender o panorama do entorno do Código Florestal brasileiro.
Instituto CarbonoBrasil – Qual a sua opinião sobre o funcionamento do CAR apenas no modo offline até que a Instrução Normativa seja assinada pela ministra? Isso prejudica a efetividade do sistema ou você acredita que é um fator importante para agilizar o cadastro dos agricultores que não têm acesso à internet?
André Lima – A implementação desse sistema nacional exige de fato uma engenharia bastante sofisticada para que o cadastro possa operar como um instrumento de monitoramento. É compreensível que, em função das limitações do governo, ele lance, antes de consolidar o sistema online, um [sistema] offline para que os interessados possam começar a se adaptar e interagir. Mas isso não pode continuar por muito tempo.
O sistema offline é a porta de entrada, significa 10% do investimento e da operação do sistema. 90% do trabalho precisa ser feito, que é colocar o sistema online e depois realizar toda a gestão do sistema, com o monitoramento do que está sendo apresentado e a implementação do PRA. O CAR é a porta de entrada, depois precisa aderir ao PRA. Em relação ao PRA, as coisas ainda estão insipientes, depois de dois anos já era possível ter tudo regulamentado.
Vamos ter que ter profissionais do governo aferindo os dados que estão sendo inseridos no sistema, quanto tempo vai levar isso? São centenas de milhares de propriedades em cada estado. Não temos um quadro, ao menos [não disponível ao] público, das condições que os estados vão ter disso. Se o sistema não está online, o estado não vai fazer esse controle.
ICBr – Você acredita que novamente o governo está omisso na implementação do Novo Código Florestal?
AL – Não é uma coisa simples implementar o sistema e em um ou dois anos trazer para o sistema sequer 50% de todos os imóveis rurais do Brasil com qualidade. Por isso, temos que avançar mais rápido, pois tem muita coisa para fazer depois do ingresso dos dados no sistema, que é só o início para uma ação política efetiva de gestão da qualidade ambiental do meio rural.
Nossa maior preocupação é que a lei fará dois anos em maio e ainda não temos uma noção clara de como isso vai acontecer, os prazos começam a vencer.
O que motivou uma reação contraria à lei [anterior] foi exatamente a omissão do estado ao longo dos anos na sua implementação e, de repente, todo mundo se viu obrigado a cumprir a lei porque um prazo venceu, subitamente; ou o governo teria que cobrar que todo mundo cumprisse a lei, ou teria que discutir a legislação.
ICBr – A delimitação das atribuições dos diferentes órgãos das esferas de governo nesse processo já estão bem definidas?
AL – Existe uma delimitação genérica, dada pela lei, estabelecendo que os estados devem regulamentar e implementar os PRAs. A questão é que é uma lei federal, com um objetivo nacional de reduzir o desmatamento e recuperar Áreas de Preservação Permanente (APPs), então o governo federal tem uma responsabilidade sobre isso.
Deveria existir uma estratégia nacional para a implementação da lei, que passa pela efetivação do CAR, começando pelo offline, e fazendo uma análise da condição dos estados, de quais os recursos disponíveis, de que tipo de incentivos o governo federal vai dar. Ele ainda não falou nada da implementação do capítulo dos incentivos econômicos para a regularização e recuperação. O Pagamento por Serviços Ambientais é um dos caminhos, mas também [há] os incentivos tributários, e outros.
Se a lei está fazendo dois anos e não avançamos nem na primeira ação, que é ter um monitoramento, significa que vamos ter que remar um tanto para as coisas começarem a acontecer.
ICBr – Os movimentos sociais estão trabalhando na pressão para a implementação do CAR. E as Ações Diretas de Inconstitucionalidade? Estamos deixado de lado as várias irregularidades aprovadas na lei?
Al – Acredito que, a essas alturas, com a lei em vigor, temos que preparar o que vai acontecer. Vínhamos trabalhando para que esse CAR existisse, e não acredito que o Supremo Tribunal Federal vá derrubá-lo, mas sim a metragem da recuperação das APPs e uma série de flexibilizações da lei. Outras instituições, como o Instituto Socioambiental, estão acompanhando a parte das ações.
O que temos que fazer agora é implementar o que tem de bom na lei e evitar mais retrocessos.
ICBr – Falando em retrocessos, estamos novamente acompanhando as mudanças no Código Ambiental em Santa Catarina. Você acredita que essas alterações aprovadas agora, como as APPs em áreas ditas consolidadas, serão levadas para uma tentativa de nova mudança na lei federal?
Al – Tudo o que acontece nos estados pode ter um tipo de impacto no debate nacional. Muitas vezes, os estados, por questões políticas locais, têm mais agilidade nas suas políticas, para o bem e para o mal. No caso do Acre temos uma série de avanços que ajudaram a diminuir o desmatamento, gerando um modelo para aplicação nacional. Santa Catarina tem sido um exemplo no sentido inverso.
Pode [ser que as alterações sejam levadas para uma tentativa de nova mudança na lei federal], à medida que o estado consegue avançar em determinadas propostas, ganha confiança e tenta influenciar o plano federal.
Mas acho muito pouco provável que nos próximos dois anos haja novas alterações na lei florestal por conta de que ainda não se firmou a consolidação da lei. Minha maior preocupação é que, daqui a dois ou três anos, se o ritmo for o mesmo, aí sim vamos começar a ter questionamentos. Porque a lei diz que, em cinco anos, quem não estiver regularizado não vai ter acesso ao crédito. Isso vai gerar certa pressão política em cima do governo federal e do Congresso Nacional.
ICBr – Será que essa demora na implamentação do CAR e no planejamento do PRA não seria então proposital?
AL – Eu não diria que, como regra geral, é má vontade em função disso; é um misto de acefalia, ausência de condução firme desse processo, com dificuldade de gestão e desarticulação política. Nem todos os estados têm interesse, ou o mesmo grau de interesse, que o governo federal. Falta uma estratégia nacional, que implica em ter um componente forte de articulação política, de incentivos econômicos, de gestão, monitoramento e controle.
O que vemos são iniciativas importantes como essa do CAR, que estão muito aquém do mínimo necessário. Qual é o problema do cadastro offline? Não permite que o governo tenha controle. Insiro os dados da minha propriedade, tenho um cadastro, mas o governo não tem acesso. Então, o que temos é um número de um proprietário, mas nenhum tipo de informação, não tendo nenhum tipo de controle. Isso sem falar nos problemas técnicos relatados no artigo escrito no final do ano.
ICBr – Esse protocolo que o agricultor recebe é controlado por quem?
AL – É só um recibo de que ele entrou no CAR, não é para ter validade jurídica além disso. Quanto tempo isso vai ficar assim, como será online, como os estados que têm seus sistemas já ativos online (MT e Pará, por exemplo) vão ser compatibilizados com o sistema nacional… há uma série de desafios. Algumas respostas ainda estão por serem dadas.
ICBr – Já existem avaliações sobre quais estão sendo as consequências do Novo Código Florestal?
AL – Ainda estamos avaliando. Mas já constatamos, por exemplo, que a anistia ao desmatamento ilegal dentro de assentamento rural ou pequena propriedade com a finalidade de ajudar os pequenos produtores teve um efeito colateral. Estamos vendo médios e grandes produtores arrendando lotes desses proprietários, pois não precisarão recuperar. Temos um incentivo à reconcentração fundiária a partir de uma medida que supostamente era positiva para o agricultor familiar.
No Mato Grosso, a hipótese que sustentamos de é o aumento do desmatamento em assentamentos tem a ver com isso. Tanto em função do que já foi anistiado quanto na expectativa de novas anistias para o pequeno produtor.
Outras consequências ainda estamos avaliando. No início de fevereiro haverá uma reunião do Observatório do Código Florestal.
Nesta semana, o IPAM e outras instituições lançaram uma publicação que mostra que o problema não é só o Código Florestal, ele é um dado importante em um contexto maior. Você tem ainda regiões como o Pará, com fortes investimentos em projetos de infraestrutura, a exemplo de Belo Monte ou do asfaltamento da transamazônica, a BR 163, ou ainda a previsão de novas hidroelétricas no Rio Tapajós. Isso tudo gera investimento e aumenta a pressão sobre a floresta.
Ao mesmo tempo, o Código Florestal anistia o desmatamento em pequena propriedade e o governo federal reduz áreas protegidas e a fiscalização, dá crédito sem exigir nenhum tipo de regularidade ambiental. É um conjunto de coisas que vai gerando um resultado negativo. A nossa esperança é de que, de fato, esse aumento no desmatamento na Amazônia verificado em 2013 seja um ponto fora da curva. Mas o contexto não é favorável. O Código Florestal é um exemplo de uma série de despolíticas na agenda ambiental cujo resultado é, do ponto de vista de indicadores ambientais, negativo.
ICBr – Você gostaria de acrescentar mais alguma informação?
AL – O recado importante é que é preciso fazer uma avaliação mais ampla dessa estratégia do governo, se é que há uma. Vamos ter um ano eleitoral, quando as questões sempre afloram com força, e no caso da agenda ambiental, historicamente, o resultado não é favorável. Vai ser um ano difícil, e depois vamos ter mudança de governos, o que vai significar possivelmente mais um atraso na implementação da lei. Vamos fazer dois anos agora e entraremos em um período muito complexo, adverso para essa agenda, o que me preocupa muito.