Por Iara Pietricovsky, GCB/INESC
Após duas semanas acompanhando as negociações da COP 21, chegamos ao último dia com a clara percepção de que haverá um acordo, mas que será super frágil. Será mais uma agenda para os próximos anos do que propriamente um documento com poder vinculante, em que todos os 195 países-parte deverão fazer todos os esforços para resolverem o aquecimento do planeta. As corporações venceram.
Após a realização de vários debates, vai ficando mais clara a idéia, já discutida em artigos anteriores (aqui e aqui), que o que estamos vendo em Paris, neste gelado fim de 2015, é mais um momento da reformatação da governança mundial nos moldes preconizados pelo relatório do Global Compact, antes da realização do Rio+20, em junho de 2012. Para eles, em síntese, boa governança é a articulação entre governos, corporações e algumas grandes ONGs atuando em conjunto para manter o sistema operando sem problemas.
Os debates de clima começaram nos idos dos anos 80 do século passado e, nessa mesma década, já era clara a vinculação entre o aquecimento global e a atuação dos seres humanos por meio de seu modelo de produção e consumo. Cientistas começaram a conclamar uma mudança nos padrões então existentes.
Antes que governos ou mesmo a sociedade civil mundial pudessem tomar alguma posição, as grandes corporações e os governos dos países ricos onde a grande maioria delas atuam, começam assinar os tratados de livre comércio. Naomi Klein, jornalista e ativista canadense, mostra claramente que nesta mesma época, anos 80, caiu o muro de Berlim, última barreira para o capitalismo, e foi proclamado o Fim da História, por Francis Fukuyama. Naomi nos mostra que comércio e clima estão interligados. Na verdade, o capital, por meio do comércio e sistema financeiro, se reinventa e se articula em várias frentes.
A fragilização dos governos aconteceram para que as corporações tivessem mais espaço de atuar neste cenário. Para isso, se tornava fundamental redesenhar o poder e os papéis das instituições, reformular os tratados e conteúdos pré-definidos para justificar, inclusive moralmente, essa mudança de paradigmas.
Os Estados-Nação abdicam de seu papel moderador dos diversos interesses da sociedade e fiscalizador dos bens comuns, para ser um ator a mais, e imbuído da missão de abrir espaço no âmbito das mentalidades e do marco regulatórios e jurídicos para que as grandes corporações e instituições do sistema financeiro pudessem atuar com liberdade e sem constrangimentos. A lógica corporativa redesenha os Estados, e seus governos operam em total submissão. Caso contrário, pagam o preço com as crises políticas e econômicas até seu esfacelamento, ou são acionados juridicamente, como vem acontecendo em várias partes do mundo (Canadá e Alemanha são exemplos de governos, entre outros, acionados por grandes multinacionais por atrapalharem seus investimentos e lucros).
A Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente – Rio+20 foi um exemplo de como os conteúdos foram modificados para servir a esse novo conceito de participação público e privada como fórmula mágica de resolução de todos os nossos problemas. Desta forma, privatiza-se o que ainda falta: sistema de saúde, educação e, por que não?, a natureza. A Rio+20, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Financiamento ao Desenvolvimento e as COPs de Clima e Biodiversidade não são nada mais e nada menos do que a adequação destes marcos a essa nova onda no planeta.
Mais negócios, aceleração dos mecanismos financeiros, tecnologias para enfrentar o aquecimento global. Mais, mais, mais. E é aqui que ficamos aturdidos, sem saber ou mesmo ter forças para combater essa tendência que atravessa como um trator sobre todos os povos e populações e ecossistemas.
Concluo com um pensamento não muito otimista de todo esse processo. Se continuamos com uma ideia de comércio crescente e infindável, olhando nosso planeta como cadeias produtivas infindáveis e vendáveis, estaremos próximos de um grande pesadelo humano e coletivo. Exportamos, de modo crescente, carnes, grãos, tecnologias para sustentar um modelo que nunca dará conta de resolver a fome e a desigualdade do mundo, porque não é para isso que esse modelo econômico existe.
O acordo que está sendo firmado sobre clima e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) são explícitos em dizer que nenhuma medida ou acordo poderá atrapalhar o fluxo de comércio do mundo. Por que será que esta salvaguarda consta destes tratados? O que pretendem preservar? Esse é o alerta que nos faz Naomi Klein em suas falas nas atividades da Coalizão Clima na Zona de Ação Climática (ZAC), organizadas pela sociedade civil mundial, em Paris.
Por fim, a COP 21 é mais um tratado neste quebra-cabeça. E, pasmem, enquanto pensamos no clima – se a temperatura vai ficar em 1º C ou 2º C -, do outro lado do mundo, em Nairóbi (Quênia), querem fechar a Rodada de Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), entre outros acordos comerciais tenebrosos (TPP etc) que se arquitetam no mundo, e que manterão nosso planeta aquecendo-se aceleradamente. Porque o debate de clima não se trata de resolver o problema do clima, mas de manter a porta aberta ao capitalismo verde e sua livre expansão em qualquer ponto da Terra.