A próxima rodada das negociações por um acordo climático global acontece em Varsóvia, na Polônia, que tem 88% de sua eletricidade produzida via usinas de carvão como a de Belchatow, região tida como a maior emissora de carbono da Europa
Começa na segunda-feira, em Varsóvia, na Polônia, a próxima rodada de negociações do acordo climático internacional. A COP-19, como se chama o evento que reunirá delegações de quase 200 países, se inicia sem grandes expectativas. Já se sabe que o encontro não terá grandes decisões. Sua principal tarefa é discutir o futuro: preparar o caminho para o tratado internacional que deve ser assinado em Paris em 2015 e vigorar a partir de 2020.
“Esta não será uma conferência de decisões como aconteceu no passado”, disse o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, o novo chefe dos negociadores brasileiros, em audiência no Congresso há poucos dias. “Varsóvia é uma conferência de preparação e de implementação de decisões já tomadas”, continuou o embaixador que estreia na Polônia no posto de Luiz Alberto Figueiredo Machado, o atual chanceler brasileiro.
Varsóvia não irá decidir nada surpreendente ou de muito peso, ninguém duvida disso. A Polônia, o país-sede da conferência, foi definida como “o colosso de carvão da Europa” em recente reportagem do “The New York Times”. O carvão produz mais de 88% da eletricidade polonesa. Belchatow, por exemplo, é uma área que abriga uma enorme jazida e é o lugar que mais emite carbono na Europa. Não por acaso, a Polônia trava todas as tentativas da União Europeia (UE) de lançar metas de redução de gases-estufa mais ambiciosas para as próximas décadas.
É por isso que a conferência do clima de Varsóvia é só um caminho para Paris-2015, na visão de alguns governos. Quando o encontro terminar, em 22 de novembro, há dois resultados possíveis, ambos modestos. Um deles tem a ver com a agenda de compromissos para chegar ao acordo global de Paris, em 2015. O outro é consolidar o legado dos últimos anos de reuniões. Ou seja, implementar e fortalecer mecanismos como o Green Climate Fund, o fundo que financiará, por exemplo, ações de adaptação ao impacto da mudança do clima, mas tem pouco dinheiro.
Nesse debate para o acordo de 2015, os conflitos do passado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento estarão de volta, agora amadurecidos.
O Brasil, por exemplo, defende “um acordo legalmente vinculante para vigência a partir de 2020”, nas palavras do embaixador Marcondes de Carvalho. A expressão em inglês – “legally binding” – quer dizer um acordo com força de lei, o que parece ser óbvio, mas não é assim. “Os EUA são alérgicos a compromissos internacionais. Costumam dizer o que vão fazer em casa, mas avisam que não aceitam nenhum controle internacional de suas decisões internas”” explica”, diz Mark Lutes, especialista em mudança climática do WWF.
A expressão ficou famosa durante a fracassada conferência de Copenhague, em 2009. Os negociadores dos EUA nunca cederam ao “legally binding”, mesmo pressionados pelos europeus e países emergentes. Não parecem ter mudado agora.
Há alguns dias, em um evento na Chatham House, em Londres – o principal “think tank” britânico sobre relações internacionais -, Todd Stern, o enviado especial para mudança climática dos Estados Unidos, disse que o modelo ideal de acordo, na visão americana, é algo que tenha “força e flexibilidade”. Nada de “legally binding”.
Stern disse também que um acordo climático internacional não é a única resposta ao problema. “Os vetores mais importantes da ação climática são as ações que os países tomam em casa”. Seguiu: “A tarefa essencial que está diante de nós é transformar a base energética das nossas economias de alto para baixo carbono.” Lembrou que a maior parte dessa metamorfose ocorrerá no setor privado, mas o setor público deve dar o caminho, as regras e os incentivos.
Nesse ponto há alguma convergência com a visão do Brasil. O embaixador Marcondes de Carvalho disse que “a comunidade internacional não pode se manter em estado de imobilismo” na espera do novo acordo, para tomar decisões somente depois de 2020. “Temos que romper a inércia e o imobilismo”, disse ele. Entre as propostas brasileiras de ação imediata que devem ser discutidas em Varsóvia há a intenção de se fazer dois workshops, em 2014. Um deles discutiria tecnologias de CCS (sigla para sequestro de carbono de poços de petróleo, por exemplo) e o outro, biocombustíveis. As tecnologias existem, diz a proposta brasileira, deveriam ter prioridade na agenda e até dinheiro do Green Climate Fund.
Na preparação do novo acordo, o Brasil sugere algo inusitado: que o braço científico da ONU, o IPCC, desenvolva uma metodologia de referência para as responsabilidades históricas de cada país. Esse é um tópico importante na estratégia brasileira que sempre apontou para as responsabilidades históricas do aquecimento global. Segundo tal raciocínio, o aumento de temperatura que a Terra sofre hoje vem dos gases-estufa que estão na atmosfera desde a Revolução Industrial. É uma forma de garantir o crescimento do país e enfrentar o impacto da mudança climática, na lógica do Itamaraty.
Os EUA não querem ouvir falar disso. Stern disse em Londres que o novo acordo “não é Kyoto”. Ele quer romper com a lógica que dividiu, em 1992, o mundo em países desenvolvidos, com obrigações de corte, e em desenvolvimento, sem metas. Acontece que os países em desenvolvimento “já respondem pela maioria das emissões de gases-estufa e serão responsáveis por dois terços disso em 2030”, disse o negociador americano.
Na sua visão, as palavras mágicas do acordo de 2015, segundo o que foi acertado há dois anos, na conferência de Durban, é que ele terá que ser “aplicável a todos os países”. Ou seja, a China terá obrigações assim como os EUA, a Europa, o Brasil, a Índia, a África do Sul.
Todos os países estarão no mesmo barco, mas em que termos? É isso que a COP de Varsóvia pode discutir. Não é tarefa fácil. Para a Índia, o princípio mais importante é o da equidade – ou seja, dar a sua população que só agora alcança algum nível de consumo, oportunidades similares aos americanos ou europeus. Para a China, o princípio que deve reger o acordo é o das emissões per capita.
Para o mundo em desenvolvimento é essencial que se mantenha o princípio das “Responsabilidades Comuns, Porém Diferenciadas”. Isso quer dizer que todos os países têm tarefas a cumprir em relação à mudança do clima, mas em proporções diferentes. “É muito importante que os países tenham o sentido de urgência dessa negociação”, disse Marcondes de Carvalho. “Mas é preciso não retroceder em avanços negociados no passado.” O acordo de 2015 pode ser novo, mas muitos conflitos entre países continuam no mesmo lugar.
O bloco europeu, que tradicionalmente ocupa posições de vanguarda, está tendo que lidar com um de seus maiores entraves – a posição da Polônia e outros países do Leste Europeu. A UE discute seu pacote de clima e energia para 2030 e tomará alguma decisão nas próximas semanas. O Reino Unido, por exemplo, defende uma redução de 50% na emissão de gases-estufa, em relação aos níveis de 1990. A Alemanha não se pronunciou. A Polônia joga na retranca.
“Em alguns contextos, a COP de Varsóvia não parece prometer um resultado ambicioso”, diz Tasneem Essop, coordenadora da delegação do WWF na Polônia. Ela destaca, no entanto, alguns pontos positivos. O principal é o avanço nos últimos meses da relação EUA-China. Os dois maiores emissores do mundo começaram a acertar ponteiros sobre as emissões de gases que danificam a camada de ozônio e que são também poderosos gases-estufa. A China é o maior produtor e os EUA, os maiores consumidores. Tasneem também enumera alguns pontos de bloqueio nas negociações. As finanças da mudança climática são um dos principais entraves. “Queremos ver na Polônia compromissos nas finanças de curto prazo, até 2020.”
Ela lembrou que ocorreram pontos positivos na dinâmica das discussões do clima neste ano. O presidente Barack Obama colocou o tema mais em evidência na pauta política dos EUA. Lançou o Plano de Ação Climática com normas para controlar a emissão de novas térmicas a carvão e logo irá divulgar limites para as usinas existentes, além de lançar regras para que os carros sejam mais eficientes por litro de gasolina e emitam menos. Os setores de energia e transportes respondem por dois terços das emissões americanas. Na China, a poluição do ar das cidades está fazendo com que se considerem soluções para o uso do carvão.
Varsóvia precisa discutir o calendário, a agenda do novo tratado e definir quando o texto de negociação tem que estar pronto. O encontro de líderes convocado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em setembro em Nova York, será o ponto alto dessa rota antes de Paris.
Por Daniela Chiaretti | De São Paulo